Sua vida era sempre a mesma. Acordava cedo, ia para o banho, tomava café da manhã, ia para a escola, almoçava tranqüilamente, ia para o trabalho, via as mesmas pessoas, passava pelo mesmo caminho, um café no meio da tarde e já era hora de ir embora. Chegava em casa e tudo continuava no mesmo lugar. Não tinha uma parede laranja na sala ou uma roxa no quarto; não tinha uma flor pregada na janela, nem uma estante cheia de CDs para poder escolher o que mais combinasse com seu estado de espírito. Tomou outro banho, comeu alguma coisa e foi se deitar.
Um vento chato, que a incomodava, retardou o sono. Virou-se e revirou-se na cama até encontrá-lo perdido nas entranhas de um dia que nunca mudava, que era sempre o mesmo, morno e sem graça.
De repente o dia amanheceu, os raios de sol entraram pela janela sem cortina e a fizeram acordar com o corpo quente. Uma ducha fria e tudo estaria resolvido. Mas espera aí! Ela nunca tomava banho frio, sentia-se sem ar quando um jato gelado caía sobre sua cabeça. Entrou no banheiro, mudou a chave do chuveiro para verão e, finalmente, acordou.
Saiu de lá sorrindo, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Quando chegou ao trabalho, tudo continuou do mesmo jeito até a hora do café. Aquele momento esperado, porque ela sabe que já se passou metade do dia e que dali um pouco poderá voltar para sua casa com as paredes brancas que deveriam ser coloridas.
Mas o café foi diferente. Encontrou um homem que conhecia apenas de vista e ficaram horas conversando. Dialogaram sobre a vida, sobre o amor, sobre a saudade, sobre o casamento, sobre decisões, sobre trabalho. Ele a convidou para sair. Ela disse que não podia porque seu namorado ligaria mais tarde. Voltaram para seus trabalhos.
Que droga! – pensou ela -. Por que eu tenho que ficar esperando ele ligar? Pegou o telefone discou os números e ninguém atendeu. Procurou o homem do café e aceitou o convite para sair.
Foram para um lugar tranqüilo, longe, onde ficaram conversando à meia luz sobre as mesmas coisas que já haviam conversado. Em pouco tempo se conheceram por completo. Fizeram confissões, choraram mágoas, riram, sorriram, ficaram sérios, se tocaram. Olhares se encontravam enquanto as mãos se procuravam. Ela tinha medo. Como seria sua vida se as coisas mudassem? Será que ia gostar da parede laranja? Ele a tocava e ela abaixava a cabeça. Ele a acariciava forte, deixando seus cabelos escorrerem por entre suas mãos fortes e bem feitas.
Saíram do bar e se abraçaram forte na porta do carro. Ele a apertava e ela não se movia. Ficou com a cabeça apoiada em seus ombros enquanto ele beijava seu pescoço, sua nuca e a abraçava cada vez mais forte. Ela fugia. Não queria deixar os olhos se encontrarem. Ele a segurava com mais força. Ela arfava cada vez mais forte. Finalmente os olhos se encontraram. Ela fechou os seus e deixou que tudo acontecesse.
O despertador tocou na mesma hora de sempre. Ela ainda tinha sono, mas pulou da cama muito rápido. Naquela noite tudo tinha mudado. Tomou um banho frio e saiu sem café da manhã. Parou o carro na porta de uma loja e comprou duas latas de tinta: uma laranja e outra roxa.